
Vamos ao texto:
Não pensei que eram tantas muito menos que fossem tão profundas as gavetas da minha casa. Há dias estou abrindo e limpando gavetas, armários e afins.
As gavetas me engoliram, me sugaram. Por isso, quase não tenho vindo aqui. Fui tão completamente sugada por elas que lá fiquei, só sentindo. Cai de boca nas gavetas e revejo minha vida em papéis amassados, bilhetes de amor que já foram, contas que paguei, desenhos de crianças que já cresceram, bijuterias envelhecidas, uma história de vida que nem lembrava mais.


Revejo uma bagagem de causar inveja naqueles que não se permitem sentir. Eu sinto e vivo aquilo que sou e minhas gavetas estão despejando as lembranças agora em mim. Que vivência linda encontro nelas e orgulhosa me desfaço de algumas que já passaram do tempo de validade para dar lugar às outras que me atropelam nessa virada.
Faço tudo isso sozinha porque são minhas as lembranças, a quem elas me lembram o carinho me invade e emana a emoção de ter vivido. A dor que às vezes sinto é adocicada pelo desgaste do tempo. Vale apenas o ter vivido e isto estou separando uma a uma pra levar pra casa nova. Estou separando os pedaços de minha vida em caixinhas, escolhendo as que levo das que me despeço.
Deixo algumas na casa velha que não é minha, pra que tenha espaço pra outras na nova morada. Retorno ao que me faz feliz, trazer de volta a jornalista que sou. É mais que um pulo onde sei que o pára-quedas vai abrir. Tenho me despido de mim mesma, arrancando a pele velha para que a outra me substitua. A cada gaveta que limpo sai um pedaço, são partes desnecessárias ao novo caminho.
.
Arranco a própria pele e nua de mim refaço minha alma. Despida do velho pra que o novo me chegue. Quero novas e limpas gavetas pra meu novo recomeço.Desfazer-se dos pedaços é como arrancar a pele pra que outra me revista e então sair do casulo e poder dar a vida a uma nova borboleta.
PS: peço desculpas aos amigos que comentaram aqui e não respondi, minhas gavetas me engoliram...